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  De Ary | Sobre Ary

Ary Barroso, criador de emoções
Paulo Coelho Netto

Ary, o chefe de família
Yvonne de Arantes Barrozo

O boêmio
Vicente Celestino

O outro
Flávio Rubens

Perfeição u'a mania
Joracy Camargo

O "porquê" do nome da filha de Ary Barroso
Joubert de Carvalho

O amigo
Mariuza Barrozo

Ary ao piano
H. D.

 
 
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  O outro
Flávio Rubens - 0000-00-00

O Ary Barrozo que conheci era bem diverso do Ary popular, era um tímido e um moralista. Se viveu como todos sabem, é porque assim se adaptava melhor ao prestígio e à glória. Se dependesse dele, viveria de outra forma: nem o brigão, nem o engraçado, mas o AMIGO. Suas espinafrações eram a evidência da intolerância para com os defeitos daqueles a quem queria bem. Não admitia, na pessoa de quem gostava, nada do que considerava errado. Daí as broncas famosas, que interpreto como sinal de amor. Talvez das tertúlias edílicas com Chico Bomba nascera a idéia do Programa de Calouros.

Embora fôsse essencialmente um compositor, um criador de meIodias, a composição nunca foi em sua vida senão um acidente: a luta pelo pão cotidiano era feroz. Exigia suas melhores horas. Só dedicava à música, à criação, os momentos surgidos nem ele sabia como. Levava-o a compor a necessidade de transmitir, ao povo suas alegrias e experiências. Entendia que a vida tinha uma cadência, e por isso transformou em ritmo todas as suas observações. Não sei como compunha. De uma hora para outra. De repente. A música brotava naturalmente e muitas vêzes também a letra. Outras, começava com alguns versos, que musicava depois. Para ele o importante era compor. Quando podia, quando conseguia uma brecha entre as ocupações que o absorviam, no rádio e na televisão.

Sua grande mágoa era o abandono em que vivem os compositores brasileiros. Lutava, com os companheiros, para que a classe pudesse trabalhar tranqüila, ganhando o bastante para viver com dignidade e evitando que a inspiração se transformasse em comércio. A última composição de papai foi "Longe de você", curiosamente a primeira foi "De longe".

Reprovava sempre a admiração que eu sentia por ele. Se dependesse dele, eu seria um modelo de virtudes. Não era propriamente um conselheiro do lar. Exigia porém, dos seus, um comportamento rígido e exercia o patriarcalismo em toda a plenitude.

Sempre teve muito medo da morte. Quando Carmen Miranda e Francisco Alves morreram, dizia que a morte estava trabalhando em seu ambiente, e isto o apavorava. Repetia uma frase:

- "Flávio, estão morrendo muito perto de mim..."

Uma confusa situação mental impede-me de esclarecer o que sinto, o que penso e o que desejo falar. Pela primeira vez na vida sinto-me em dificuldades para falar de quem admiro. FENÔMENO ESTRANHO. Não sei mesmo se o peso da responsabilidade ou a leveza da intenção. Ary Barrozo, por conseguinte, ocupa realmente em meu espírito uma porção de coisas. Talvez o exemplo a seguir. Talvez a intranqüilidade constante. Talvez a grandeza de uma alma que viveu a vida em todos os sentidos e em todas as direções.

No entanto, eu sei que Ary Barrozo é mais que tudo isto, porque para mim é a própria vida.

Quem pretender analisá-lo, enganar-se-á. Quem pretendesse tê-lo como amigo, encontraria um solitário. Quem, simplesmente, fôr seu admirador, encontrará uma das glórias do Brasil. Entretanto, a vida, o homem, o triunfo, o fracasso, numa simbiose admirável teriam a resposta incontida no olhar de Ary Barrozo.

Não sei mesmo se os títulos, se os aplausos o fizeram um estuário de alegrias. Não sei mesmo se os seus sonhos e sua realizações o afirmaram perante si mesmo. O que é um homem realizado?

O que sei é que foi Oficial da Ordem Nacional do Mérito. Detentor do "Oscar" de Hollywood.

O que sei é que era possuidor de uma sensibilidade extraordinária. Por estes fatos, o fenômeno estranho se identifica com a própria filosofia da vida.

De suas composições podemos sintetizar a largueza de sua inspiração invejável. Em seus sambas heróicos sentimos o gosto da Pátria. Em suas valsas verificamos a singeleza do espírito.

Assim é o Ary Barroso que eu conheci. Agora, o que falar do pai?

Partamos do princípio que o homem doméstico é a antítese. Sintamos a profundidade de um copo no mais fundo dos mares. Pelejemos para compreender quem só compreendeu o mundo dentro do sonho e da fantasia. E cairemos diante de um pai fora do comum. O convencional marginaliza a mecânica de conduzir e de formar. Talvez repouse em mim um pouco da insatisfação e do inconformismo. Mas, nada nos desanima na vertiginosa corrida de mortais e efêmeros. Talvez criar. Importa o que importa o como. Não importa a forma ou a fórmula. Ser pai é realmente a justificação da natureza humana. Com suas verdades e com seus vícios. Por conseguinte, Ary Barrozo foi antes de tudo um bom pai, um excelente pai. A experiência que se exteriorizava em suas atitudes era o reflexo indiscutível de um homem inseguro dentro de si mesmo, mas firme e intransigente nas suas concepções, nas suas ações e na sua fôrça de vontade.

No mais, o temperamento de justiça do povo que sempre o aplaudiu fará justiça a um homem que viveu no coração de todos nós.

No mais, são lições que a vida ensina.

Declarações pessoais para a biografia e trechos inseridos nas Revistas "Samba" e "Manchete"