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  De Ary | Sobre Ary

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(Carta a esposa Yvonne sobre a viagem aos Estados Unidos)
Ary Barroso

(Carta a esposa - dos Estados Unidos)
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Memórias de um locutor esportivo
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Depoimento filmado sobre as contruções irregulares no Rio de Janeiro
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  (Carta a esposa Yvonne sobre a viagem aos Estados Unidos)
Ary Barroso - 0000-00-00

Saí de Miami às 8 da noite de 18 de fevereiro num avião da National Air Lines. Embaixo, Miami parecia um romane bolo de aniversário crivado de velinhas acesas. Primeira etapa: F. T. Myers 65 milhas em 30 minutos. Como nunca, viajara de avião à noite, a princípio me assustei com as labaredas que saíam do morro. A "moça" de borde, bonita e gentil "girl", explicou-me o fenômeno, dizendo que "era assim mesmo". AfinaI não explicou coisa nenhuma, porém fiquei tranqüilo por concluir que era natural. Cinco minutos de pouso. Ninguém podia sair do avião. Roncam os motores e decolamos para a segunda etapa: Tampa. Os meus olhos se deslumbraram com o que Ihes era dado observar do alto, a 5 minutes da aterrisagem, num estaleiro, inundado de luz; era como um dia de sol artificial, em franca e febril atividade na construção de navios. Contei seis esqueletos de transatlânticos de um lado e, do outro, mais seis. Operários batendo rebites, manobrando o maçarico, a solda.

Enormes guindastes carregando peças. Um estaleiro colossal, funcionando a todo vapor. Um passageiro ao meu lado disse-me que aqueles 12 "ships" deveriam ficar prontos até domingo (um navio de oito em oito dias!)

15 minutos de folga. Sentados na sala de espera do Aeroporto estavam 8 cadetes da aviação ianque esperando o avião que os levaria a Miami. Moços, fortes, sadios, mastigando o indefectivel chiclets, numa despreocupação significativa, como se quisessem dar a entender que iam para uma festa sem maiores consequências. Um "speaker" de voz grossa e de palavras engroladas avisou-nos que tomassemos os nossos lugares no avião, pois que partiria dentro de 3 minutos. Foi o que fizemos. Por Labbeland passamos a 1.200 metros de altura. Um enorme farol, à nossa direita, dava pinceladas longas de luz branca, verde e vermelha, no céu. Em dez minutos já não se via mais uma lâmpada de Labbeland. A nossa parada seguinte foi Orlando. Nada de novo. 5 minutos e raspamos para Jacksonville: o último porto da Península. la fazendo meus cálculos: se de Miami a Jacksonville levaríamos 2 horas e 50, poderíamos atingir New Orleans com uma vantagem bem boa de tempo, já que o horário fora diminuído de 25 minutos. Qual não foi, porém, a surpresa de todos nós, passageiros, quando a linda "moça de bordo", depois de atender a um chamado do piloto, nos declarou:

- "Jacksonville é a última etapa de hoje. Há temporal na rota".

No mesmo instante falei com meus botões:

- "Parar de novo! Ficar de novo como turista, eu que anseio Hollywood para trabalhar e não para passear!"

Chegamos a Jacksonville bem. De fato, 15 minutos depois de Orlando o avião parecia uma peneira nas mãos do mau tempo e nós os grãos de arroz amarrados às cadeiras pelos cintos de proteção!

Já haviam reservado localidades no Windsor Hotel. Do Aeroporto à cidade levamos 25 minutos de automóvel. É longe. Casas-ônibus. Casas de madeira estilo colonial francês. Casas de Jacksonville: côr de chocolate - todos os tons de chocolate.

Windsor Hotel - A pracinha com árvores desfolhadas pelo frio. Muita gente no jardin. Gente deitada pela grama, homens e muIheres. Hotel cedido a metade às forças armadas. Um vai e vem continuo de soldados, pilotos, marinheiros, civis, oficiais. No nosso quarto dormimos cinco, inclusive um marinheiro que, por não ter mais cama, dormiu no tapête.

Jacksonville amanheceu coberta de nevoeiro (fogg). Ao meio-dia, porém, o sol apareceu e o céu ficou azul. Esperamos partir às 3 horas. Uma flor no cabelos: grande moda, chamou-me a atenção desde Miami. Mulheres dirigindo ônibus. Moças como "aero-moços". Mulheres mecânicas nos aeroportos. Mulher flor (?). Trem movimento na estação. A princípio me disseram que eu ia sentado até New Orleans. Compadeci-me de mim. Depois... deram-me um leito superior (upper berth) e criei alma nova. Na estação, no restaurante - uma mesa em forma de ferradura - eu me misturei com homens, mulheres, crianças, soldados e marinheiros.

À minha frente surgiu uma "girl": olhei para ela. Olhou para mim. Tornei a olhar. Tornou a olhar-me. Olhos negros.., cabelos "brown"... "fausse maigre"... Ficamos muito tempo a olhar um para o outro. Parece que ela me perguntava quem eu era. E fiquei pensando naquelas "girls" que o cinema me mostrou tantas vezes, que moram em bairro pobre e que procuram, nas horas crepusculares, os lugares mais movimentados em busca talvez do... almoço de amanhã. Em quinze minutos ela fumou três cigarros!... Depois... desapareceu dentro de um capote vermelho-berrante. Eu estava ali para seguir viagem para N. Orleans. E ela? Para onde foi ela?

O meu carro era o B-7 de urn enorme comboio pesado na plataforma 14 da estação. A entrada do vagâo, um condutor muito, alto e muito forte, pelo jeito funcionário há mais de 30 anos da "The Pullman Company", tomou-me a passagem e me mandou subir! Subi. Carro cheio de gente e de óleo. Em poucos minutos estava eu sentado na ante-sala do "Service-Men". Carro cheio de soldados e oficiais. O empregado - o negro Barret - ainda arrumava as camas. Um cheiro fortíssimo de cigarro americano misturado com cheiro de gente. 3 velhos conversavam arrastando um inglês de província e enchendo o cubículo de fumaça de cachimbo. Um calor insuportável que um misero ventilador em vão procurava espancar dali. Eramos quatro na saleta. De repente, os três estouraram numa fomidável gargalhada. Haviam deixado no ar uma piada daquelas. Eu não me permito transcrevê-la.