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  De Ary | Sobre Ary

Condenado à solidão (crônica)
Ary Barroso

(Carta a esposa Yvonne sobre a viagem aos Estados Unidos)
Ary Barroso

(Carta a esposa - dos Estados Unidos)
Ary Barrozo

Não posso viver sem você. (carta a esposa)
Ary Barroso

Memórias de um locutor esportivo
Ary Barroso

Vou escrever o Livro Negro do Futebol Brasileiro
Ary Barroso

Descrição da casa contruída por Ary Barroso
Ary Barroso

Depoimento filmado sobre as contruções irregulares no Rio de Janeiro
Ary Barroso

 
 
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  Não posso viver sem você. (carta a esposa)
Ary Barroso - 0000-00-00

Não posso viver sem você. Por entre noites e dias de incríveis emoções para mim: rodeado de celebridades mundiais que me consideravam um colosso, um "big composer", um "wonderful artist" eu penso em você com uma vontade infinita de ter você aqui ao meu lado, para que você pudesse conhecer, de fato, sinceramente, o quanto de felicidade que poderia the proporcionar. Estou positivamente convencido de que o meu mundo é esse aqui. Todos me apreciam, todos me querem, todos me aplaudem.

A esposa do grande maestro Herbert Spencer - uma notabilidade! - disse-me, em espanhol:

- "Su señora debe orgullarse de usted!…" E eu respondi: creio que sim!...

A minha vida aqui tem sido a seguinte: Levanto-me às 8 horas da manhã, faço o meu pequeno almoço e vou no carro do Aloísio para o estúdio da Republic Pictures. Lá tenho o meu "stage": uma bonita sala com telefone, geladeira, uma mesa grande, um lindo piano e... um secretário. Trabalho até 12 horas. Tenho duas horas para o almoço. Volto às 14 horas e saio sempre às 5 horas. Vou ao hotel, tomo o meu banho, faço barba, e you jantar com o Aloisio, o Vadico e o Afonso. As vezes com Mister Peer, outras vezes com o diretor da Republic.

À noite vou sempre a um night-club: ou o Trocadero ou o El Carrol ou o Little Club, ou o Mocambo, ou o Clover-Club. São verdadeiras maravilhas. Um ambiente agradável e divertidíssimo.

Já compus até hoje, para a fita, seis números novos, que agradaram plenamente. Em uma recepção que deu o Lourival Fontes e senhora, que aqui estiveram de passagem, o nosso cônsul Raul Bopp me apresentou a Claudette Colbert, a Ann Miller, a Carol Landis e Ann Sheridan. Esta é muito parecida com você. Muito simples, comunicativa e alegre.

Tenho estado com a Carmen Miranda. Você não pode fazer idéia de como está mudada. Quase morreu. Chegou a confessar-se e a receber a extrema-unção. Salvou-se por milagre. Tem me tratado muito bem, e louca por que eu possa "abafar a banca". Fez uma operação plástica no nariz e ficou com outra fisionomia. Eu não gostei muito, esté de nariz arrebitado…

[…] Quero aproveitar a oportunidade para lhe dar umas explicações: 1) eu não quero voltar ao Rio e continuar levando o ritmo de vida que levamos nestes últimos meses. Não é mais possível, querida. Você deve e precisa reconhecer que todas as minhas loucuras, todos os meus desatinos, tudo o que faço de ruim e de errado, justifica-se com o que sou:

um artista, um homem diferente dos outros, um predestinado, talvez.

Estou falando com o coração na ponta de minha pena. Hollywood fez despertar em mim a sensação de felicidade, de amor, de desejo de ser alegre e, sobretudo, de viver em harmonia. Eu não nasci para me preocupar com problemas de ordem material, querida. Eu ando por um mundo esquisito de sons, de acordes, de melodias... Eu não posso circunscrever meu espírito dentro de um círculo de coisas materiais. Estou com a fortuna em minhas mãos, querida. Eu fui recebido aqui tão bem, tão respeitosamente, numa atmosfera de tamanho carinho e com tão grandes manifestações de apreço, que, acredito, um novo ciclo de vida se abriu para mim, ou melhor, para nós. Sim. Para nós: eu, você e nossos bons filhinhos.