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Ary Barroso - 0000-12-24 - O Jornal

Os homens são uns bárbaros! Naquela tarde de 23 de dezembro pressenti meu fim. Protestar? Gluglurejar? Que importam ao coração de pedra dos homens meus "gluglus"? Mais algumas horas, estarei degolado! - (gluglu, que horror!) Sem nenhum direito a reação! Sabendo disso, implorei a Deus que me desse uma graça ver, pelo menos, como sou comido. Deus me ouviu e fez-me o desejo. Pronto! Entrei na faca! Esperneei. Senti que virava nada! Com minha tiltirna gôta de sangue, lá se foi minh'alma flutuar no espaço. Vi assarem meu cadaver. Que calor! Em vez de sangue, corre nas minhas veias um môlho... As onze horas da noite seguinte, eu já estava à mesa, de pernas pro ar, todo enfeitado! Era hora de meu devoramento?! Duas ventas ministeriais dilataram-se, aspirando, com certo exagêro, meu cheiro. Uma voz de mulher disse que eu devia estar "uma delícia"! Eis que chega o momento culminante! Um garçon pegou a bandeja (meu sepulcro), exibiu-me aos presentes (todos já devidamente armados) e carregou-me para a copa (antecâmara do sacrifício). O trinchante rasgou-me as carnes, estalando meus ossos. Abriu-me. De minhas entranhas saíam: farofa, azeitonas, ovos cozidos. Estava sendo feito em pedaços! Depois do esquartejamento voltei à mesa. Movimento geral de atenção! Uns queriam minhas carnes claras, outros as escuras. Uma senhorita pediu minha coxa (Ironia!). Um rapaz, minha "madre" (desgraçado!). Uma velha, discretamente, tirou a dentadura e comeu urn pedaço do meu peito, aquêle mesmo peito que eu estufava para agradar às peruas. Nâo me conseguiram acabar completamente. Deixaram alguns "restos". Aí deu-se a minha desgraça total: a dona da casa mandou dar os meus ossos ao... "Riachuelo", aquele cachorrão que, de vez em quando, pulava a cerca, entrava no galinheiro e matava uma de minhas mulheres! Vejam! Terminar minha vida material no bucho de um cachorro! Minh'alrna entristecia, sobrevoou, pela última vez, o romântico e acolhedor galinheiro, e desapareceu". Este peru, em todo caso, pôde ver tudo isso. E os que morrem completamente bêbados.