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  De Ary | Sobre Ary

E desapareceu no turbilhão da galeria
Carlos Heitor Cony

Guinga sobre Ary Barroso
Guinga

Coqueiro que dá coco. Um compositor genial que não acreditava nisso.
Pedro Bloch

Ary Barroso – Aquarela de um artista
Mauricio Macline

A. B.
Álvaro Armando

Roteiro de Ary
Fernando Lobo

Ary Barroso com os trabalhistas? - O popular locutor está entre a U.D.N. e o P.T.B.
Caspary

Rádio
Rachel de Queiroz

 
 
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  Rádio
Rachel de Queiroz - 1953-03-28 - O Cruzeiro

É lugar-comum, dos mais comuns, o falar-se mal do rádio, desprezar tudo que se faz em matéria rádiofônica, arrasar impiedosamente com diretcres e produtores. Pois eu confesso, que, com todas as restrições cabíveis, sinto uma espécie de respeito pela pessoal de rádio. Já fiz a minha experiência como escritor rádiofônico e não se pode dizer que brilhei. Antes pela contrario, tanto é que deixei o ofício. Pois a minha rapída passagem pelas fôlhas de pagamento de uma PR me ensinou, entre outras coisas, que escrever para rádio não é tão fácil quanto se diz, e, acima de tudo, é diabolicamente ingrato. Primeiro, a imposição de escrever muito, escrever em massa, já que o microfone é um devorador infatigável de matéria escrita; depois, a transitoriedade absoluta dessa matéria rádiofônica. Aquilo que da trabalho a escrever, que tem de ser produzido com cuidado, pois se destina a um vasto público, sera lido rapidamente ao microfone, entre um anúncio e outro - atirado ao vento, literalmente, sem nenhuma audiência garantida, esperando ser escutado apenas pela ouvinte ocasional que, no instante preciso da irradiação, se dá ao desfastio de rodar o dial na direção da nossa emissora. E, com a enorme quantidade de estações que se atropelam no ar, a terrível concorrência de programas nos bons horários (bons horários são as horas em que se supõe que o bom ouvinte está em casa) a possibilidade da audiência fica mais entregue ao acaso do que a outra coisa. Pois mesmo o radiouvinte aficionado, tendo embora tanto o que escolher, não pode escoliher tudo ao mesmo tempo, já que os bons programas em geral são simultaneos e não sucessivos.

Nós, que escrevemos para jomal e revista, muitas vezes nos queixamos da transitoriedade des nossos escritos; contudo, o jomal, mesmo antigo, existe materialmente, fica à disposição do freguês que, se tem algum interesse pelo artigo ou pela crônica, guarda a folha para a ler mais tarde, guarda até o recorte, se o aprecia. Coisa dita no rádio, entretanto, é fumaça de cigarro, sobe no ar e se perde para sempre. E ao mesmo tempo, não se pode, sob essa alegação, relaxar na forma - que o ouvinte ocasional tem o direito de ser tão exigente quanto o leitor de matéria impressa. E não falta a crítica especializada, que é das mais duras e mais francas, em toda a nossa imprensa.

Programas de auditório, também é hábito desprezá-los. É claro que se faz muita coisa ruim em auditório. Em compensação já repararam na quantidade de dinamismo, de bom-humor, de improvisação, na capacidade de comunicação com o público, que demonstra num dos seus programas de auditório a minha amiga lara Sales, por exemplo?

O que há de pior, de péssimo, no rádio, é a literatice, a xaropada sentimental, os programas de "recitativos", e as famosas novelas de pranta e uivos. Mas já se nota uma boa reação contra isso tudo. Não vêem os programas de calouros? De verdadeiro pelourinho de ingenuos ou exibicionistas, que eram dantes, passaram a valer como honesta seleção de vocações, quase sempre aproveitadas profissionalmente. Cito como prova os "calouros" de Ary Barroso, no Rádio e na TV.

E mais crimes tivesse o rádio às suas costas, afora a subliteratice dos programas de "belo sexo" (em geral irradiados nas horas mais ou menos "mortas", diga-se como desculpa), mais pecados cometesse, de muitos deles estaria redimido, levando-se em conta o que tem feito o rádio em prol da música popular. Os grandes cartazes, os grandes compositores e grandes intérpretes, quem lhes deu direito de cidadania, senão o rádio? Sim, há comercialização, há barateamento, até mesmo nesse setor. Mas onde não os há? Sei que ao rádio se deve a difusão tremenda, o verdadeiro renascimento da música popular, expresso em exuberância e força. A divulgação dos mestres que andavam apenas no coração dos seresteiros, e dos poucos aficionados: hoje, no Brasil, quem não sabe da existência de Noel e Sinhô? E a oportunidade para os bons compositores e intérpretes, como as grandes irmãs Batista, o lírico Caymmi, a extraordinária Aracy, Dalva, Ataulfo, Prazeres. Se hoje há "clássico" da nossa música popular, quem os fez assim, senão o rádio? Sim, se o samba carioca não se perde, ou não fica apenas na tradição oral da cidade, como antigamente, se é hoje patrimônio preciosamente conservado - ao rádio o devemos. E, por causa dessa divida, muito Ihe pode e lhe deve ser perdoado.