Capa  
Vida
Fotos  
Desenhos  
Coisas de Ary  
Novidades  
Textos  
Livros  
Música  
   
Busca
 
 
 
   
  De Ary | Sobre Ary

Discurso improvisado em agradecimento a homenagem recebida pela SBACEM
Ary Barroso

Senhor redator de A tabuleta do dia
Ary Barroso

Adeus, Gilberto!
Ary Barroso

Meu caro Geraldo:
Ary Barroso

História Universal
Ary Barroso

Carta ao Sr. "Chiquinho"
Ary Barroso

Brasil, país do futuro
Ary Barroso

Muito obrigado, amigos!
Ary Barroso

 
 
anteriores início próximos
  Discurso improvisado em agradecimento a homenagem recebida pela SBACEM
Ary Barroso - 1953-12-13

Quem não conhece essas melodias que são íntimas reverberações da brasilidade nas nossas composições? A você, Benedito, meu presidente e meu amigo, o meu cordial abraço, o meu penhor de profunda admiração, e, sobretudo, a alegria de tê-lo aqui ao meu lado, com a sua espôsa, companheira de suas lutas, de seus infortúnios, de suas alegrias, e hoje do seu galinheiro de três andares. Quero, Benedito Lacerda, que você saiba tratar as suas galinhas com o mesmo carinho com que soube tratar as suas composições.

As galinhas lhe poderão proporcionar lucros objetivos, mas jamais igualarão no lucro que as melodias que sairam da sua inspiração lhe poderão proporcionar. Que umas são passageiras. Quando você morrer, as galinhas, decerto, morrerão de saudade de você, mas, quando você morrer, mais viverão as suas melodias, porque você fêz coisas imortais, para a delícia de varias gerações.

Muito obrigado, Benedito!

Prosseguindo, em ordem cronológica, quero falar agora neste magérrimo Jorge Paraj, que pode ser cognominado o "homem mau", o "lobo mau", do ambiente da música popular brasileira, mas, no fundo, um homem de uma bondade cristalina. Jorge Faraj, autor de letras e de melodias que todos cantam e todos conhecem: "Deusa da minha rua", "Professora", quantas melodias bonitas esse homem amarelo compAs! Amarelo, na contextura e no plasma de sua face, mas rubro como lutador, e sobretudo azul como amigo, porque é bom no coração, intransigente no seu idealismo, e temo e suave nas letras e melodias que compõe.

Agradeço, Jorge, as palavras que você teve hoje para comigo, e, creia, o que estiver ao meu alcance eu farei para que você volte a figurar entre aqueles que defendem a sobrevivência da SBACEM.
Muito obrigado, Jorge!

Agora, aquele que gritou aí. Aquele que é um vulcão, aquele que não está de acordo nunca! Aquele que deu ao samba um caráter diferente. Aquele que é um amigo. Aquele que é artista. Aquele que é pequenino no físico e enorme no talento. Quero referir-me ao fundador do "Trio de Ouro", Herivelto Martins.

Há coisas nesta vida que só acontecem ao Herivelto. O Herivelto Martins um dia ganhou um avião e não tinha hangar para colocá-lo. Então ficou com o avião parado no Aeroporto Santos Dumont e perguntava: "Onde eu vou colocar esse negócio?" Pois um homem que não sabe o que fazer com um avião, sabe perfeitamente o que fazer com a sua inspiraçao. E o ponto de partida da segunda era, digo melhor, da terceira era do samba brasileiro. Herivelto Martins é um cantor de magoas e de tristezas, de desencantos. E o homem que, sem os ter, cantou precocemente os cabelos brancos. E o homem que fez chorar quantas senhoritas e quantos brotos, pela vida, com as suas melodias inesquecíveis.

Ainda agora, na minha recente viagem ao México, ouvi, com entemecida saudade, cantada por Chucho Martínez Gil, em pleno Teatro Variété, a melodia bonita, macia, de Herivelto Martins, "Caminhemos". E ele não estava presente pra sentir as emoções da retumbancia dos aplausos, mas eu estava e sentia por ele, porque eu sei o que sentiria Herivelto, e então o que eu senti deveria ter sido o que sentiria Herivelto. Herivelto Martins é um batalhador, um lutador, um idealista, um melodista formidável e com todas as agruras por que tem passado, agruras materiais e espirituais, ele ainda tem o santo poder de ressurgir e ressuscitar mais forte, mais briihante, mais jovem e mais idealista, e se minhas palavras não tem a força de contornar ou de traçar essa ressurreição, aí está o novo Trio de Ouro, continuando a carreira antiga do velho Trio de Ouro, hoje brilhante, inimitável, inigualável.

Ao Herivelto agradeço as suas grandes palavras.

Agora, vou ao caçula dos Vitalle, o Emílio. Eu conheci o Emílio, não digo de camisola, porque seria ir muito ao passado, mas, conheci-o de calças curtas. Hoje, com os outros irmãos já de cabelos brancos, ninguém faz nada na firma sem consultar o caçula, porque não sei e os outros estão cansados ou se é o Emílio que aprendeu depressa. E o nosso representante em São Paulo, responsável por cerca de 2/3 da arrecadação da SBACEM, e vai a quase vinte milhões de cruzeiros anuais. É um patrimônio. O EmíIio veio fazer discurso para transformar-me em São Miguel Arcanjo. Eu, aos cinqüenta anos, não sabia que ainda podia ser Anjo da Guarda de Alguém. O Vicente, o Emílio, o José, o Afonso e o João. Oh! o João! Então nao sei quem é o João? Eles que se voltem para você, porque você fez, no seu tempo de jovem, o que eles, jovens, não fizeram. Eles são alicerces, você é cúpula. Você sabe que o vento sopra mais forte na cúpula do que nos alicerces. Portanto, se você é cúpula, continue com esse pensamento, com essa idéia e com essa obstinação, porque, quando eles envelhecerem, a cúpula estará firme e os alicerces um pouco borocochados. Agradeço as suas palavras e sobretudo quero aqui revelar, não desmerecendo as palavras amigas e sinceras de Mangione: o meu primeiro editor foram os Irmãos Vitalle. O meu segundo foi o Esteban Mangione.

Vamos transigir um pouco no que nos diga respeito individualmente. Para benefício maior de nossa grande entidade, que é dela que tem que vir a nossa redenção econômica, porque nós somos células e ela é que é o organismo. Espero que as palavras do velho Ary Barroso possam repercutir, já não digo de forma definitiva, pelo menos conselheiral, patética, amiga, para que com a cabeça nos travesseiros, que são os nossos melhores amigos e conselheiros, pensemos um pouco em tudo o que pode acontecer se a desagregação infelicitar a nossa casa.

Assim sendo, amigos, eu longo como estou, não poderia renunciar a esse instante que eu considero que não é meu, não me pertence unicamente. Se vocês acham que eu represento a música popular brasileira, eu sou um dos que a representam.

Vocês, nós, juntos como um bloco, somos os promotores, os responsáveis pela sobrevivência da música popular brasileira, que paradoxalmente em sua terra, vê-se acochada de quase inibida de viver, pelo esnobismo, pela mania de macaquear-se, por essa febre de estrangeirismos, que chega a ponto de defraudar o conceito de música popular brasileira, para chegar-se ao cúmulo de abolir das nossas orquestras aquilo que a caracteriza, que são os nossos tambores, os nossos pandeiros, os nosso can-cans, as nossas cuícas, que foram caladas, pela força de penetração surda e inexorável da música polarizante, que é interessante, que tem o direito de viver e eles aqui não tem o ar, tem tudo, inclusive terreno para esmagar a música popular dentro da sua própria terra.

Não quero ter palavras de descrença, nem de amargura para aqueles que me odiaram ou me odeiam. Quero ter sempre uma esperança na classe, quero ter sempre fé nos destinos do samba brasileiro e quero ter sempre uma frase de estimulo, uma frase de exemplo, uma frase de amor, para todos aqueles que desfraldam uma bandeira que possa tremular e que signifique um lábaro de defesa do compositor popular brasileiro. Em vida, já fiz o que tinha que fazer. Farei o que me impuserem as circunstâncias. Mas do que fiz, do que farei, e do que estou fazendo, não quero trazer para mim, num movimento egoístico, a palma única da vitória.

Fui uma célula, fui uma molécula nesse organismo de pedra que é hoje a SBACEM. E ela será cada vez mais agigantada pela crença dos seus associados, pela força dos seus homens. E sobretudo pela união e pela coesão de todas as suas categorias.

A SBACEM venceu todos os temporais. Venceu todos os desgostos, todas as torturas. Hoje navega tranqüila, comandada pelos seus homens, e pela sua força e pela sua majestade.

E então nesta bora, que a homenagem não é a mim, a homenagem é ao compositor popular brasileiro, é ao samba, é à canção, é à valsa, é ao saxofone, é ao acordeon, à flauta, é ao piano, é ao cavaquinho, é ao violão. E nossa festa, tipicamente nossa.

Vou terminar as minhas palavras, fazendo um apelo, neste momento, a todos os diretamente ligados a esta festa: que encaremos seriamente o nosso problema, fazendo de nossas penas e de nossas amarguras flôres para as nossas corbeilles de comemoração. Talvez, quem sabe? Ninguém pode adivinhar o futuro, essa unanimidade que aqui esteja, ou essa identidade que aqui esteja não se possa renovar mais tarde, alguma vez, alguns meses, alguns anos, alguns dias, algumas horas, mas nós temos que nos mirar no espelho que fomos e no espelho do que somos. Todos nós somos arquitetos desse palácio maravilhoso que é o palácio da música popular brasileira.

Eu sei que a minha responsabilidade está completamente definida, e a minha consciência não me acusa nunca de ter transformado o meu idealismo em materialismo.

Dirão: mas o Ary Barroso está bem na vida! Como todos nós, guardando, é claro, as proporções dos anseios, das ambições e sobretudo dos batentes que nós enfrentamos. Estive sempre envolvido em todos os movimentos de reabilitação do compositor popular brasileiro. E desses movimentos eu sempre saí bem com a minha consciência. Quero transferir para a SBACEM em si, para essa mística, para essa idéia, para esse fato, toda a beleza, toda a eloquência, toda a singeleza, toda a honestidade dessa festa que me fizeram. À SBACEM, pois, aos seus artífices, aos seus compositores, editores, empregados, administradores, eu transfiro todas as honras dessa homenagem porque, como disse, nós somos células, ela é o organismo!...

À única emissora presente nesta festa, eu quero agradecer essa lembrança e sobretudo estranhar que as outras não tivessem compreendido, como a Guanabara compreendeu, a extensão e o vulto de uma homenagem que não se presta a mim, senão ao compositor popular brasileiro. À Guanabara, muito obrigado!