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Carta ao Sr. "Chiquinho" Ary Barroso - 1955-10-13 - O Jornal - Seção "Scotch and Soda"
Caro amigo: agora que você completa seus cinqüenta janeiros, ingressando, irremedià velmente, no rol dos provectos, não poderia esquivar-me ao desejo de lhe mandar estas linhas. Vamos fazer história: eu vivia minha vida simples, quase bucólica, de menino. Meu mundo era uma fazenda antiga, rodeada de morros, no alto de um dos quais, dormia seu sono eterno a "Pedra Redonda". Tocava bois. Vigiava porcos. Punha cana para moer no engenho de roda gigante. Deitava-me às 7 e me levantava às 5 da manhã. Meus companheiros eram meus primos Meus chefes, meus tios.
Uma tarde, montando o velho tordilho "Rochedo" - que sabia o caminho de cor e salteado, meu tio chegou da cidade trazendo pães, farinha de mandioca, jornais e uma revista colorida para crianças, chamada "Tico-Tico". Foi quando conheci o amigo e colega "Chiquinho".
Quanta peraltice não aprendemos com êle! Quanta "arte"! O "Chiquinho" existia para nós. Para nós, não era um boneco: era um menino igual a nós, de carne e osso, que morava no Rio de Janeiro. A prata cobriu-nos a cabeça. O mundo girou. Só quem ficou sendo o que era foi você, meu caro senhor "Chiquinho". Pena que a garotada de hoje dê mais importância à s aventuras criminosas dos "X-9", dos "Zorros" e de outros pistoleiros. Pena que o materialismo tenha contaminado tanto a nossa juventude moderna. As gerações que brincavam com você, caro senhor "Chiquinho", demonstravam melhor formação moral e sentimental. Seus cinqüenta anos são cinqüenta páginas de graça ingênua que não deforma o espÃrito e de "malandragens" sem dolo, que não pervertem a consciência. Caro senhor "Chiquinho": continue suas traquinadas. Não mude. Não transija. Fique sendo a imagem de uma era amena que passou, mas que voltará. Os homens são feitos de barro, mas a alma tem essência divina. Caro senhor "Chiquinho", queira aceitar o abraço.
Do menino Ary Barroso |
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