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Ary no país das maravilhas


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  Ary no país das maravilhas
Diego Assis - 2003-07-21 - Folha de São Paulo

Se vivo, Ary Barroso (1903-64) estaria completando em novembro cem anos. Compositor, músico, jornalista, apresentador de rádio e sobretudo flamenguista, as tantas histórias desse mineiro de Ubá, autor de "Aquarela do Brasil", vão aos bocadinhos sendo apagadas da memória nacional.
Não se Mariúza Barroso puder impedir: "Quando o meu pai morreu, guardei com carinho um acervo maravilhoso com os sapatos, os cintos e as roupas esportivas de que ele mais gostava. Mas fui ficando com tanta raiva diante da ignorância que há neste país que resolvi dar para quem precisava", contou à Folha a filha do compositor, que desde então procura uma instituição para abrigar uma inestimável coleção de objetos pessoais, partituras, cartas e fotografias, que não só pertencem à sua história familiar, mas à história da cultura brasileira.
Parte da poeira volta a ser levantada com as comemorações do centenário de Barroso, que incluem homenagem no Prêmio TIM de Música, espetáculo com Marília Pêra, documentários e algumas cerimônias oficiais.
"Já estive nos estúdios do Walt Disney. Colosso! Fui recebido com todas as honras. Ele me ofereceu um drinque e me exibiu a nova fita sobre assuntos brasileiros com o pato e o papagaio."
Data desta carta: 1942. Remetente: Ary Barroso, Los Angeles. "Assuntos brasileiros": os filmes de animação "Alô, Amigos" (43) e "Você Já Foi à Bahia?" (45), que introduziram ao mundo o papagaio Zé Carioca e as músicas "Aquarela do Brasil" e "Na Baixa do Sapateiro".
Ao lado de outras "quatro ou cinco" correspondências do pai guardadas no baú de Mariúza, esta, cedida com exclusividade à Folha, fala do encantamento de Barroso em sua primeira viagem à Hollywood e de um momento-chave em sua trajetória: o convite para trabalhar no cinema como diretor artístico e compositor de trilhas.
Estava tendo a visibilidade que merecia. Escoltado ora por diretores do "pequeno estúdio" Republic Pictures, ora pelo próprio cônsul brasileiro de então, Barroso passou a circular entre estrelas de Hollywood e não se cansava de ser chamado de "big composer" (grande compositor), "wonderful artist" (artista maravilhoso) ou de "abafar a banca", nas palavras da sensação da época Carmen Miranda -com quem, corriam boatos, estaria para casar.
"Minha querida, parece que a coisa começou melhor do que eu esperava. Deixa o pessoal daí falar e os jornais publicarem coisas que eu não disse e não diria. Não faz mal: responderei a todos quando voltar aí e quando eles souberem que terei de regressar para ficar pelo menos dois anos com um bruto contrato", cravava na mesma correspondência endereçada a Yvone, sua mulher, mãe de Mariúza e Flávio Rubens.
Os filmes com Walt Disney e o Republic Pictures foram feitos, mas o compositor, ufanista por definição, preferiu o Brasil a se mudar de vez para os EUA. "A gente já estava se arrumando para ir para lá, mas era a época da Segunda Guerra e, quando papai viu que era sério e o último avião para a América do Sul estava partindo dos EUA, veio embora. Ele gostava do jeito do brasileiro. Somos o único povo que sorri", milita a filha, que, com o nacionalismo do pai, herdou a paixão pelo futebol.
E um arquivo pessoal de dar água na boca de muito gringo por aí: "O que a gente vê como despesa, em outros países, é visto como investimento turístico".
"Antes eu era mais crente, abria o acervo de papai para quem quisesse fazer reportagens. Mas, sempre que alguém mexia, arrancava um pedaço. Numa exposição, até o banco do piano sumiu. Ainda bem que abriu uma loja de xerox na frente de casa. Para sair daqui agora, só tirando cópia."