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  Bahia é cantada como a terra da felicidade
Paloma Varón - 2002-04-08 - Folha de São Paulo

Imagem idílica está nos versos até de autores que passaram rapidamente pelo Estado, como Ary Barroso

Terra de filhos ilustres em todas as áreas da cultura, a Bahia é cantada por seus admiradores -baianos ou não- onde quer que eles se encontrem. Músicos como Dorival Caymmi, que deixou o Estado natal ainda na década de 30, não cansam de cantar as saudades da "terra da felicidade" ou "terra da magia", como se convencionou chamar o Estado.
Berço da brasilidade, a Bahia se tornou uma imagem idílica para os brasileiros. Estereótipos como o da preguiça, do tempero ou do suingue baiano rondam o imaginário popular e são usados pelos próprios baianos como forma de autopromoção. "Baiano não nasce, estréia" é uma das frases utilizadas para mostrar a artisticidade inata ao povo local.
O sambista octogenário Riachão, que teve o seu primeiro CD lançado no ano 2000, canta Salvador num estilo que ele chama de "samba cartão-postal". As imagens dos bairros e das ruas da cidade são cantadas de um modo que faz o ouvinte ter a sensação de percorrer os lugares citados: "Quem chega na praça Cayru/ Olha pra frente o que é que vê/ Vê o elevador Lacerda/ Que vive a subir e a descer/ É o retrato fiel da Bahia/ Baiana vendendo alegria/ Coisinha gostosa de dendê/ Acarajé ôôôô".
Não por acaso, ele ficou conhecido na década de 40, quando se apresentava na rádio Sociedade da Bahia, como "o cronista musical da cidade". Isso porque, além de compor músicas que têm Salvador como cenário, o sambista costuma falar de fatos que aconteceram nesses lugares, como o de uma baleia que foi exposta na praça da Sé.
Para os não-iniciados, as letras requerem algumas notas explicativas. A praça Cayru é onde fica o Mercado Modelo, na Cidade Baixa, em frente ao elevador Lacerda, construído em 1873, que liga as cidades Alta e Baixa.
Os autores de algumas das mais famosas -e apaixonadas- músicas sobre a Bahia não nasceram lá. Tratam-se do mineiro Ary Barroso, que passou apenas alguns dias na capital baiana, e do paulista Denis Brean, compositor de "Bahia com H".
Na música, Brean pede licença para se declarar ao Estado: "Dá licença de gostar um pouquinho só/ A Bahia eu não vou roubar, tem dó/ E já disse o poeta/ Que terra mais linda não há/ Isso é velho e do tempo em que já se escrevia Bahia com H".
Ele também canta as paisagens soteropolitanas: "Deixa ver, Baixa dos Sapateiros, Charriot, Barroquinha, Calçada, Taboão.../ Deixa ver, teus sobrados, igrejas/ Teus santos, ladeiras/ E montes tal qual um postal".
Já as canções de Barroso, tais como "No Tabuleiro da Baiana", "Quando Eu Penso na Bahia" e "Baixa dos Sapateiros", fazem o ouvinte percorrer um itinerário geográfico-musical pela Bahia, mais precisamente por Salvador, o que faz com que muitos turistas já cheguem à cidade cantarolando as músicas.
Baixa dos Sapateiros, Pelourinho e Itapuã são alguns dos bairros mais citados. Mas há ainda músicas para Barra, Campo Grande, Amaralina, Ribeira, Boca do Rio, Liberdade.

Carnaval
As músicas de Carnaval, além de percorrerem o itinerário da festa, exaltam de forma ainda mais explícita as belezas e os pontos turísticos da terra. A música "Chame Gente" é um exemplo (veja letra ao lado). Seu compositor, Moraes Moreira, diz, sem falsa modéstia, que, das músicas que compôs, essa é a que melhor retrata o Estado: "Poderia ser um hino da Bahia", comenta. "Essa música fala da mistura de raça e da forma que o baiano encara a vida, apesar das dificuldades."
O santo-amarense Caetano Veloso cantou a famosa praça Castro Alves, reduto do Carnaval baiano, com os versos: "A praça Castro Alves é do povo/ Como o céu é do avião/ Um frevo novo/ Todo mundo na praça/ Muita gente sem graça no salão".
A praça disputa os foliões com a Liberdade, bairro popular, sede do bloco afro Ilê Aiyê e lugar onde se concentram baianos e turistas para ver o bloco passar no sábado de Carnaval. Gerônimo, compositor de "É d'Oxum" , foi um dos que cantou o bairro: "Eu sou negão/ Meu coração é a Liberdade/ Sou do Curuzu, Ilê".
Soteropolitano, Gilberto Gil cantou o misticismo do povo baiano em "Eu Vim da Bahia": "Onde a gente não tem pra comer, mas de fome não morre/ Porque na Bahia tem mãe Yemanjá/ De outro lado o Senhor do Bonfim/ Que ajuda o baiano a viver".
Dos antigos sambistas, passando por Caymmi, João Gilberto, Gil, Caetano e Raul Seixas aos atuais compositores de axé music, a Bahia continua na boca do povo.