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Só TV paga se lembra dos 100 anos de Ary Barroso


 
 
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  Só TV paga se lembra dos 100 anos de Ary Barroso
Leila Reis - 2003-07-06 - Estadão

Assim como todas as instituições dos Estados Unidos, a TV é uma grande cultuadora dos mitos americanos. A notícia da recente morte de Katherine Hepburn foi apoiada por vários documentários biográficos como se pôde ver pelos canais pagos.

Existem gerações de telespectadores que cresceram sendo alimentados pela indústria da TV com uma oceânica variedade de programas sobre ícones americanos. Abraham Lincoln, John Kennedy, Jaqueline Onassis, Marilyn Monroe, John Wayne, Ingrid Bergman, Clark Gable, Rock Hudson, os irmãos Gershwin, Nat King Cole, Louis Armstrong, Frank Sinatra, Billie Holiday, Elvis Presley, Jim Morrison foram e são assuntos de uma infinidade de programas e documentários.

Essa reverência não é privilégio só dos que já morreram. Michael Jackson, Madonna, Spike Lee, Clint Eastwood e muitos artistas que estão em plena atividade já têm suas trajetórias registradas pela TV. O povo americano adora orgulhar-se de seus ídolos e a mídia permite esse exercício e faz mais: exporta esse interesse para o mundo inteiro.

Aqui as coisas são bem diferentes. Só em caso de morte, a biografia de celebridades é exibidas. Enquanto durar a comoção popular. Lembrem-se de Elis Regina, Tom Jobim, Cazuza, Ayrton Senna e Leandro. Não existe espaço na programação da rede aberta para homenagens extemporâneas, sem provocação factual forte. Os que fazem TV talvez acreditem que o telespectador brasileiro não se interesse por seus ídolos ou não os valorize a ponto de merecerem um investimento.

Isso deve explicar a ausência do produto documentário na rede aberta. Só a TV Cultura é que, quando pode, produz. Por isso cabe registrar iniciativas como a da STV - Rede SescSenac de Televisão (disponível para os assinantes da NET, Sky, DirecTV e Tecsat), que acaba de exibir e promete reprisar um programa que marca o centenário de nascimento de Ary Barroso.

Dirigido por Dimas Oliveira Junior e Felipe Harazim, O Brasil Brasileiro de Ary Barroso é uma produção modesta, mas necessária em um País sem memória e que pouco valoriza os seus talentos.

Por meio de depoimentos da filha, jornalistas, pesquisadores e amigos, o documentário traça o perfil do compositor que, até hoje, representa o Brasil para os gringos. Os primeiros acordes de Aquarela do Brasil continuam marcando a presença brasileira no cinema e em eventos. Foi ele quem inspirou Walt Disney a criar o personagem Zé Carioca, que contracena com o Pato Donald cantando Você Já Foi à Bahia? em um filme estrelado por Aurora Miranda na Hollywood dos anos 40.

Cantoras dos sucessos de Ary - Carminha Vasconcelos, Carmélia Alves, Salomé Parísio, Leila Silva - e outros artistas em atividade (Chitãozinho e Xororó, Célia e Celma, José Vasconcelos) ajudam a compor a personalidade explosiva do compositor, cronista esportivo e comandante de programas de calouros que revelou uma geração inteira de cantores, entre eles, Ângela Maria e Nelson Gonçalves.

Sabemos pelo programa que Ary, flamenguista doente, foi o criador das carreiras de repórter de campo, comentarista e locutor de futebol. E que há um busto dele dentro do Estádio do Maracanã.

O Brasil Brasileiro de Ary Barroso só peca em dois pontos: na falta de legenda das fotos (não muitas) em que Ary aparece com outras personalidades e na "reconstituição" de musicais cujas imagens a produção não conseguiu.

Vestir atores a caráter para dublar Araci de Almeida, Linda e Dircinha Baptista, Orlando Silva e outros emblemas da MPB não funcionou.

De qualquer maneira, vale a iniciativa. Afinal, alguém lembrou do centenário de um grande brasileiro.