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João Máximo - 2005-04-14 - O Globo

Como será que Ary Barroso escreveria hoje seus sambas e marchas de sete, oito décadas atrás? O músico Hugo Braule, contratado por Mariúza Barroso, filha do compositor, para pôr na pauta 60 obras inéditas ou desconhecidas do criador de "Aquarela do Brasil", acredita ter a resposta na ponta do lápis. Ou melhor, do computador em que trabalha em seu apartamento no Humaitá.

- O instrumento de Ary Barroso era o piano - ressalta Braule. - Por isso, eu, também pianista, procuro acentuar o caráter essencialmente pianístico do que escreveu. Sem desrespeitar suas intenções, o que faço é escrever para piano por camadas de vozes, eliminando nas pautas originais o modo de se escrever tudo em oitavas seguidas, como se fazia na época. Busco a maneira de Ary tocar, em especial nas linhas de baixo, que Tom Jobim tanto admirava nele, ao mesmo tempo em que faço correções rítmicas, acústicas e harmônicas. Os sambas de Ary têm de soar como sambas, como ele queria, e não como maxixe, como estavam nas edições originais.

Sambas dos anos 30 eram arranjados como maxixe

A observação de Braule procede quando se sabe que a maioria dos compositores dos anos 30, inclusive os que sabiam ler e escrever música, entregavam seus manuscritos (geralmente a linha melódica num pentagrama e indicações de ritmo e harmonia em outro) para um maestro contratado pela editora elaborar a partitura a ser editada. Como a maioria desses maestros vinha da escola do maxixe, muitos sambas, como os dos negros do Estácio e os dos brancos que os seguiam (Lamartine Babo, João de Barro, Noel Rosa, o próprio Ary), eram editados e até gravados como maxixes. Um exemplo é o primeiro grande sucesso do jovem Ary, "Vamos deixar de intimidade". Como terá sido escrito?

Hugo Braule acha-se perfeitamente credenciado para realizar a tarefa que Mariúza lhe confiou, embora não seja muito o tempo que lhe sobra das aulas de piano, teclado, percepção musical, harmonia, arranjo e improvisação que ministra em seu apartamento, atividade que, diz, "ajuda a sustentar o povo aqui em casa". Resultado: das 34 primeiras partituras que Mariúza lhe passou, só teve tempo para trabalhar cinco. Suas credenciais vêm de cursos nos Estados Unidos - Arizona, Filadélfia, Illinois, onde fez mestrado - e de atividades no Brasil, em curso de arranjo e regência com Ian Guest e shows e recitais que já resultaram num CD, "Arte de amar", de composições suas.

Braule senta-se diante do monitor e mostra (naturalmente na sonoridade metálica, sem cor, do computador) o que fez com "O amor vem quando a gente não espera", samba gravado por Aracy Cortes, em 1929, e por por Zeca Pagodinho no  songbook produzido por Almir Chediak, em 1995. A versão de Braule, diferentemente da de Aracy, amaxixada, e da de Zeca, modernizadora, propõe-se a chegar mais perto do que Ary queria.

- Há dois tipos de partituras entre as deixadas por Ary e entregues a mim por Mariúza - explica. - Há as já editadas e gravadas, mas não constantes do acervo dos Irmãos Vitale, e as inéditas, melodias incompletas, algumas delas sem letra. Mariúza, que sempre quis fazer um  songbook com esse material, tendo mesmo iniciado conversa nesse sentido com Chediak, acabou me contratando em razão do espetáculo "Ary Barroso contemporâneo".

Esse espetáculo, pensado como musical de teatro (para um narrador, um cantor, duas atrizes-dançarinas, piano, baixo, bateria e percussão), mas que Braule só conseguiu montar como recital, no Sesc Tijuca, em 7 de novembro de 2003 (centenário de nascimento de Ary Barroso), tem formato distinto do trabalho em curso.

- Ali eu me permitia improvisar sobre músicas conhecidas de Ary - diz o pianista e arranjador. - Eram interpretações mais livres, mais soltas, enquanto no livro de partituras que escrevo, para o qual Mariúza pretende criar uma editora própria, não há lugar para isso. No máximo, valho-me de síncopas, contratempos, acordes invertidos e certas dissonâncias que não estavam nos originais, mas que Ary, muito provavelmente, teria usado se tais elementos fossem comuns antes que a bossa nova os consagrasse. Não posso ir mais além, porque, afinal, não tenho o direito de romper com a História.

Entre as inéditas, dois temas para Ubá, cidade natal de Ary

Braule cita dois exemplos de composições inéditas deixadas por Ary: "Ubá" e "Ubaense glorioso", duas homenagens à sua cidade natal. Outras, "Ave Maria" e "Santa Maria", manuscritos descobertos por Mariúza. E há também uma valsa, sem título e sem letra, dedicada a Ivone, mulher de Ary, que o compositor só tocava em casa, em família.

- Mariúza chorou quando me ouviu tocar a valsa em seu piano - conta Braule.

O músico fala com entusiasmo de seu trabalho e de sambas e marchas que só conheceu agora e que certamente estão entre as melhores composições de Ary: "Vai cumprir teu destino", "Amizade", "Meu amor não me deixou" e outras escritas para o teatro e revistas, algumas já gravadas, mas esquecidas. Fala, também, do seu encontro com um Ary Barroso, segundo ele, mal compreendido:

- O Brasil parece ter inveja do Brasil. Vivemos olhando para fora, tocando rock para aparecer na MTV e esquecendo que os roqueiros de lá estudam música para valer e tocam melhor que os nossos. Já ouvi dizerem inverdades sobre Ary: que ele serviu ao Estado Novo, que ele era racista, só por causa do "mulato inzoneiro" da letra de "Aquarela do Brasil". Bobagem. Poucos dizem que, ao levar o samba para os salões, ele abriu mais um importante espaço para a música popular brasileira.