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Ary Barroso

Única página da autobiografia (s/ título)
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Noite de Natal - palavras de Ary Barroso (s/ título)
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  Noite de Natal - palavras de Ary Barroso (s/ título)
Ary Barroso - 0000-00-00

Uma folha de papel de embrulho untada de goma arábica, sobre a qual se espargia areia, representava o "chão" do presépio. Outra folha de papel azul, salpicado de estrelinhas, era o "céu". Os "lagos" eram feitos de espelhos, nos quais "nadavam" patinhos amarelos, de barro, comprados a trezentos réis cada um, na loja do "Seu Ziéze". A "vegetação" compunha-se do seguinte: cercando os "lagos", brotos de arroz que vinham crescendo há dois meses; galhinhos de fícus, plantados à guisa de "árvores" e artisticamente dispostos pelas "montanhas" (lixa-papel); bambuzinhos cercando o "estábulo" e musgos fazendo de "relva". Havia sempre uma "cachoeirinha" que caía do alto de uma "montanha" sôbre umas pedrinhas muito bem dispostas numa tampa de lata de vaselina aonde fôra feito um buraquinho no centro, de maneira que a água, que vinha de uma lata de querosene, escondia atrás do "céu" por um caninho de bambu (também invisível), fôsse cair numa bacia, debaixo da mesa onde estava o presépio, mas, tapada por uma colcha linda, de ramagens.

A iluminação era fornecida por velinhas muito pequeninas, que flutuavam no azeite suspenso num copo d'água. Os bichinhos (burro, carneiros, boi, vaca, coelhinhos brancos, galo e galinha) bem como todos os personagens ligados ao "Nascimento" (Nossa Senhora, São José, os Três Reis Magos, os pastôres e "povo") eram os mesmos de vários anos, "trocados" no Bazar René e guardados carinhosamente num pequeno baú côr de rosa, com cadeado e chave. A estrêla balançava sôbre o estábulo, amarrada no "céu" por uma linha imperceptível.

Na noite de Natal propriamente dita inaugurava-se o presépio com um têrço rezado por tôda a família, O "Menino Jesus" ainda não aparecia no "bercinho" o que acontecia no dia seguinte (sempre que Ary acordava "Ele" já estava lá, redondinho, rosado, com umas fitinhas coloridas na mãozinha erguida). Não é necessário adiantar que o menino acompanhava todos os trabalhos de "construção" do presépio como se fôra o próprio "arquiteto". Acompanhava só, porque minha tia não me deixava pegar um "laquinho" sequer. O presépio era desarmado, invariavelmente, na tarde de 6 de janeiro, deixando sobrar muita água para a cachoeira correr. As velinhas eram chamadas de "grilhetas", e eram as primeiras a serem removidas.

Após a adoração ao presépio, vinha a ceia, com o tradicional vinho da família. Coisas lindas se passavam nesta festa de 24 de dezembro. Era uma oportunidade que Deus lhes dava para um encontro com o bem. As casas se iluminavam, as famílias se reuniam à mesa das ceias e cantavam canções suaves, até que um carrilhão batesse meia-noite, quando todos se abraçavam, beijando-se, e às vêzes derramando lágrimas de saudade por alguém que estava ausente ou de alegria pela felicidade completa.

Quem tivesse o costume de ir à missa, ia, mas voltava correndo para casa, pois era "dentro do lar" que o Natal "acontecia". E o nascimento de Jesus transbordava de ternura e beleza, impregnado do halo de respeito e poesia, que somente naquele tempo existia.