Capa  
Vida
Fotos  
Desenhos  
Coisas de Ary  
Novidades  
Textos  
Livros  
Música  
   
Busca
 
 
 
   
  De Ary | Sobre Ary

Ary Barroso, criador de emoções
Paulo Coelho Netto

Ary, o chefe de família
Yvonne de Arantes Barrozo

O boêmio
Vicente Celestino

O outro
Flávio Rubens

Perfeição u'a mania
Joracy Camargo

O "porquê" do nome da filha de Ary Barroso
Joubert de Carvalho

O amigo
Mariuza Barrozo

Ary ao piano
H. D.

 
 
anteriores início próximos
  Ary, o chefe de família
Yvonne de Arantes Barrozo - 0000-00-00

Ary era muito bom. Se eu não soubesse disso, ficaria sabendo no dia do seu enterro: perdi a conta dos que me abraçavam dizendo que muito lhe deviam, um emprego, uma interferência, uma assistência, um consolo. Ele não nos contava essas coisas. Mesmo sem isso, no entanto, sabiamos quanto era bom. Basta ver seu prestígio em nossa rua na Ladeira Ary Barroso. Gritava com os meninos que tiravam mangas em nosso quintal, para assustá-los. Costumava até ficar à janela, vigiando-os, participando da vida da rua. Os vizinhos gostavam dele. Nossa casa era o centro onde se tomavam providências e se resolviam problemas.

A vida boêmia não impedia que Ary ficasse muito tempo em casa. Tinha um jeito especial para brincar com crianças, e os netos permaneciam horas presos às histórias que contava. Partindo de uma simples caixa de fósforos, ou coisa assim, criava mil e um motivos de interêsse para os pequeninos. O problema, agora, é explicar que ele se foi.

Não chegou a saber que tinha cirrose hepática. Nunca imaginou que a doença fosse tão grave. Continuava a fazer planos para o futuro. Não
era o Ary que se conhecia lá fora. Nos fins-de-semana em nosso sítio, obrigava-nos a brincadeiras incríveis, que comandava. Num carnaval no sítio, organizou um bloco, cujos participantes éramos nós mesmos, grandes e pequenos. Ary se fantasiou de Rei Netuno, e o fim da brincadeira foi cairmos todos na piscina. Muito preocupado com a família, cuidava de todos. Quando viajávamos, era todo atenção e medo de que nos perdessemos. Por ele, nem sairíamos dos hotéis.

Tinha enorme vitalidade. Não fui uma boa companheira para suas noitadas, porque ele não se contentava com uma buate só de cada vez, indo de uma para outra, até às seis e às sete da manhã. Quem agüentaria?

Possuidor de urna fé em Deus muito grande. Em Deus acreditava. E quando lhe perguntavam o porquê ele respondia: "Para fazer este mundo só um Deus mesmo!"

Foi um homem de sorte: Até na morte. Pois dizem que a cirrose provoca dores tremendas em todo o corpo, e ele não sofreu nada. No fim, teve urn colapso - e pronto

Era engraçado. Se gostasse da pessoa, se simpatizasse com a pessoa, ficava implicando freqüentemente, sem perder o respeito, é claro. Se não gostasse, cairia na indiferença, podia fazer a coisa mais bonita que ele não se interessava. Se tivesse simpatia por alguém, e sentisse que tinha valor, ficava provocando até que se irritassem. Tinha a mania de provocar rixas, mas amigavelmente.

Para nós, sua famillia, não era o Ary da Aquarela do Brasil e tantos

outros sucessos na música popular brasileira e estrangeira. Era, sim, o Pai inigualável, sem rotina, que levava de arrastão, na alegria, a sua família; que trazia uma mensagem nova todo dia, para mim e para seus filhos e netos; que enchia o lar com as palavras musicadas, trazendo urna nota de renovação espiritual e uma mensagem de vida em cada nota musical; que fazia de seus filhos e seus netos o seu mundo; não o mundo conhecido de todos lá fora, mas o mundo interior de Ary, que ninguém se lembrou de mostrar quando ainda vivia.

Hoje, aquele piano no canto da sala é mudo, não há quem o faça dizer nada, porque só ele sabia fazê-lo bem.