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  De Ary | Sobre Ary

Condenado à solidão (crônica)
Ary Barroso

(Carta a esposa Yvonne sobre a viagem aos Estados Unidos)
Ary Barroso

(Carta a esposa - dos Estados Unidos)
Ary Barrozo

Não posso viver sem você. (carta a esposa)
Ary Barroso

Memórias de um locutor esportivo
Ary Barroso

Vou escrever o Livro Negro do Futebol Brasileiro
Ary Barroso

Descrição da casa contruída por Ary Barroso
Ary Barroso

Depoimento filmado sobre as contruções irregulares no Rio de Janeiro
Ary Barroso

 
 
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  (Carta a esposa - dos Estados Unidos)
Ary Barrozo - 0000-00-00

Um grande beijo especial para você. Outro para os meninos e meu grande abraço para a turma. Já estou há oito dias em plena Hollywood! Parece um sonho... Fui otimamente recebido pelos diretores da "Republic Pictures", bem como por todos os brasileiros que residem aqui, menos Carmen e Aurora que estão descansando em Palm Springs - uma espécie de Petrópolis, aqui perto.

Não sei se você recebeu já uma longa carta que lhe mandei de Miami, por intermédio de um aviador nosso patrício. Nela eu contava as peripécias de minha viagem até Miami. É uma cidade maravilhosa. Tem mais de 400 hotéis, um movimento formidável, jardins, clubes excelentes e "night-clubs" originais e interessantes.

Parti de noite, de Miami, rumo a New Orleans. Tive porém de parar em Jacksonville, porque o tempo não estava bom na rota. Deram-me todas as atenções. Pelo meu nome no Hotel - o melhor Hotel de New Orleans!... - me descobriram e logo fui procurado por jornalistas, repôrteres, gente de radio, etc. etc. O tempo continuava mau. Então, como já estivesse muito atrasado, resolvi prosseguir viagem de trem. Viajei 3 dias e 2 noites. Finalmente cheguei a Los Angeles. Estavam na estação vários diretores da Republic, o nosso Consul Raul Bopp - um rapaz admirável, ótimo escritor, o Karan deve conhecé-lo, e os rapazes do Bando da Lua. Fotografias - 12 poses - cumprimentos e seguimos finalmente para o Plaza Hotel. Pleno Hollywood. Luzes, movimento, moças bonitas - uma grande cidade. Cheguei aqui numa quinta-feira à noite. No dia seguinte visitei os estúdios da "Republic". É um dos menores de Hollywood, mas já chegou para me surpreender. Mister Norton, o produtor do film "Brazil" - é um cavalheiro. O diretor musical Walter, muito bom. Corri tudo, aquilo. Estavam filmando uma cena de "mocinho", coisa formidável. Só mesmo pessoalmente é que poderei descrever o que vi. No sábado corri Hollywood de automóvel com Mister Reev. Ê É maravilhoso! Vi a casa do Harold Lloyd, a casa onde morreu Rodolfo Valentino, a casa do Don Ameche, da Carmen, do Robert Taylor, que é casado com a Barbara Stanwiek. Um deslumbramento. Segunda-feira leram para mim a história do filme.

É uma escritora americana que foi incumbida de escrever um livro sobre o Brasil. Vai ao Brasil e, depois de algumas peripécias, encontra-se com o compositor. A fita é a história do compositor de Aquarela. Uma história fictícia, que não é a minha história real, mas muito interessante e engraçada. Imagina que no fim da fita eu me caso com a escritora... Uma fita muito interessante, para a qual eu terei de fazer toda a música.

Já estive nos estúdios de Walt Disney. Colosso! Fui recebido, com todas as honras. Ele me ofereceu um "drink" e me exibiu a nova fita sobre assuntos brasileiros, com o pato e o papagaio. Nesta fita aparece a Aurora Miranda - como está bonita! - cantando "Os quindins de Iaiá" e, enquanto são exibidas vistas admiráveis da Bahia, cantam e dançam a "Baixa do Sapateiro".

Eles todos cantam e assobiam "Bahia" - é o novo nome do samba. Acreditam que este, samba vai fazer mais sucesso que Aquarela. Eu também. A fita vai deixar o povo aí de boca aberta. É simplesmente sensacional. Minha fiiha, posso garantir que meu nome aqui é acreditado, é um cartaz de grande sensação, um "bighit" como eles dizem. Quando sou apresentado a qualquer pessoa como autor de "Brazil", há um espanto geral e logo chovem abraços e pedidos de autógrafos. Uma maravilha. Digo mais - sou tão popular aqui como aí e com uma vantagem: meu nome é admirado e respeitado. Ainda não terminei o meu contrato com a "Republic" e já visitei vários estúdios cinematográficos. Que maravilha!...

Os compositores mais famosos daqui me ofereceram um banquete formidável. Foram todos e mais o chefe da censura daqui. Todos tocaram suas melhores músicas para mim. No final, também toquei para eles e foi um sucesso louco. Minha querida, parece que a coisa começou melhor do que eu esperava. Deixa o pessoal daí falar e os jomais publicarem coisas que eu não disse e não diria. Não faz mal: responderei a todos quando voltar aí e quando eles souberem que terei de regressar para ficar pelo menos dois anos com um bruto contrato.

O que tem de ser tem muita força e o melhor é esperar pela festa.

A Metro Goldwin-Mayer estuda no momento uma fórmula de contrato para mim. O Walt Disney, por sua vez, está interessado no "Xangô" e no "Terra Sêca". A Carmen quer cantar na próxima fita o "Batuca, Nêga!..." E o Schubert, o empresário que lançou a Carmen nos Estados Unidos, me convidou para colaborar no próximo "show" que ele está organizando e que subira à cena em janeiro, em plena Broadway! O campo aqui é muito vasto e rico. Estou encantado. Parece tudo um sonho!...

E é só. Fiquei muito contente por saber que o Flávio passou nos exames. Ele é um bichão!

Diga a Mariúza que ando louco para lhe dar um beijo de saudade. Uma coisa: meia de vidro não há mais por aqul. As peles estão por um preço fabuloso. Disse-me a Carmen que não é negócio comprar agora. Depois da guerra, sim. Além do mais estamos na bica de virmos para cá, assim você terá tempo para escolher à vontade. Bem, meu amor, escreva uma carta bem longa, por favor, contando as novidades. Isto aqui é uma escola formidável de vida. Você, se vier comigo, ficará encantada. Beijos do

Ary Barrozo